Eu vos amo tanto. Nunca pensei em escrever esse texto, mas faz tempo em que penso “como?” acompanhado de vários “por quês?” e as lágrimas já brotam nos meus olhos.
Talvez, ou, com toda certeza, seja a coisa mais surreal que faço, falar sobre o tempo que passarei preso e o tanto, quanto quando como. Devo organizar meu pensamento para que meu coração não exploda em desespero. Pai,
Espera que entenda que sou prolixo, mas não desejo ser enfadonho, grosseiro, denso, tenso, lento, pesado.
desejo ser leve como o bater de asas de um borboleta, embora eu sinta que agora peso meia tonelada. Quinhentos quilos não são nada pra quem já carregou muito peso. Como você, pai, quando estudava, carregou tantos livros. Como você, mãe, nos carregou na barriga, nove meses vezes quatro.
Quando jovens, decerto não esperava, pai, que um dia eu viria a esse mundo. Cada dia, cada vitória, até que aos trinta e seis anos, você e mamãe já eram dois adultos e um vulto de esperança loiro e alegre desponta na face desse planeta.
Eu mesmo, vulgo Gustavo.
Mãe, você que me conhece como ninguém, sabe que quando eu recaí não tive tempo pra pensar, no susto da queda, o que era esteticamente mais correto a se fazer. E tudo se transformou nisso. Como eu disse ontem sobre a teoria Caos “quando parte do todo se ilumina o todo se ilumina em si”. Um dia usando, representa o Todo desse uso, um dia sem representa o todo da abstinência.
Quero estar limpo. Convicto de que esse será o melhor caminho.
Confesso que agora não tenho certeza. Perdi minha crença quando tinha uma.
Perdi a utopia de ser feliz. Perdi o acesso aos meus desejos. Refiz meus conceitos sobre a bondade e a servidão humana. Maldade e benevolência andam junto. O ser humano, pai, esse sim é prolixo, instável, incerto, impreciso...
Existe um universo de respostas inesperadas em cada indivíduo. Não se pode prever pela aparência. Não há como perquirir a essência. Por mais que se ajuíze bem&mal, o mais pueril maniqueísmo, após anos de convivência.
Depois de muito separar em partes, análise divisão, filetamento. Nunca sabemos o que guarda em si o sujeito humano dentro de sua multiplicidade. Um labirinto em busca de alguma porta talvez inexistente.
eu não esperava reações de outrem. Bem como não esperava reagir desse jeito. Como também vocês não esperavam que eu fosse recair, não é mesmo? quando implorei pra sair do André Luís, aquele hospital psiquiátrico com cara de prisão, pra onde vão os condenados, os malsucedidos.
A conclusão que cheguei é que bem&mal andam juntos, que não existem separadamente, que se completam como forcas contrárias, que pairam muito além de tudo isso, como disse o sábio filósofo.
Sem mais delongas. Quero agradecer o tempo que dispus da companhia de vocês. Agradecer os valiosos cuidados e tratamentos que recebi. Agradecer cada minuto que vivemos juntos durante esse tempo, em pensamentos e ações. Não quero me desculpar. Não vamos lembrar-nos de coisas ruins, não é mesmo? O momento é propicio aos bons sentimentos.
Agradeço por cada alvorada em que você, mãe, enaltecia a beleza do dia, enquanto eu me escondia do mundo. Obrigado por nunca me negar os seus cuidados. Ao seu lado meus olhos se entregavam a fadiga e meu espírito se desprendia do corpo. Sou um filho caçula temporão mimado? Sim, devo ser, mas só assim eu me senti acalentado, quando o chão fugiu dos meus pés.
Agradeço pai, por não ter me abandonado, quando eu insistentemente quis viver à margem de conceitos éticos e morais. Admiro a sua resignação.
Amanhã me entrego a essa internação com a humildade que aprendi com vocês. Chega de tanto diletantismo. Devo entrar em contato com a minha subjetividade.
Apesar disso quem sabe se objeto e sujeito são alcançáveis em sua completude?
Estaremos separados por um período, mas espero que esse período de tempo seja pouco, e de abundante importância para todos.
Desejo, do fundo do meu coração, que em breve estejamos juntos de novo.
Um novo Gustavo. Livre dos andrajos que me predem. Outro a ser o que era.
aproveitem.
Dedico essas palavras, assim como meus pensamentos, ao casal que mais amo no mundo, Afonso e Lenir, meus pais.
28 de agosto de 2013.
Gustavo Alvarez Perez
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