Passo a passo, fui descobrindo que
até o presente, em toda grande filosofia se encontram enxertadas não apenas a
confissão espiritual, mas suas sutis "memórias", tanto se assim o
desejou seu autor quanto se não se apercebeu disso. Mesmo assim, observei que
em toda filosofia as intenções morais (ou imorais) constituem a semente donde
nasce a planta completa. Com efeito, se queremos explicar como nasceram
realmente as afirmações metafísicas mais transcendentes de certos filósofos,
seria conveniente perguntar-nos antes de tudo: A que moral quer conduzir-nos? A
resposta, a meu ver, é que não se pode crer na existência de um "instinto
do conhecimento", que seria o pai da filosofia. Pelo contrário, acredito
que outro instinto tenha se servido do conhecimento (ou do desconhecimento)
como instrumento, porém se examinássemos os instintos fundamentais, no homem, no
intento de saber até que ponto os filósofos puderam divertir-se em seu papel de
gênios inspiradores (de daimons ou de duendes), veríamos que todos fizeram
filosofia um dia ou outro, e que cada um deles considera sua filosofia como fim
único da existência, como dona legítima dos demais instintos. Pois não é menos
certo que todo instinto quisesse chegar ao predomínio e, enquanto tal, aspira a
filosofar. Pode, entretanto, acontecer doutro modo, inclusive
"melhor" se desejar entre os sábios, entre os espíritos
verdadeiramente científicos, porque, penso, talvez haja neles algo parecido ao
instinto do conhecimento, algo parecido a uma pequena peça de relojoaria
independente e, bem montada. cumpra sua tarefa sem que os demais instintos do
sábio participem dela de modo essencial. De acordo com o que vemos e pensamos,
os verdadeiros "interesses" do sábio se encontram geralmente noutra
parte: por exemplo, na política, na sua família, no seu meio de subsistência.
Daí torna-se inclusive indiferente que o sábio aplique seu pequeno mecanismo a
um determinado problema científico, e pouco importa que o sábio do
"porvir" (jovem sábio) se converta num bom filósofo, num bom
conhecedor de cogumelos ou num bom químico. No filósofo, nada há que possa ser
considerado impessoal. Quanto à sua moral, oferece particular e muito
especialmente um testemunho claro e decisivo do que é, quer dizer, da
hierarquia que seque nele os instintos mais íntimos de sua natureza.
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